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OLHOS E OLHARES





E o velho vem -- com o seu andador -- lesmando pela
calçada. Para num ponto qualquer. Observa os jovens,
divertindo-se felizes, na praia. Não, não está saudosista.
...


Um dos jovens recebe o espírito do velho, já que seus
olhares cruzaram-se a média distância. O jovem corre
em direção as águas, pulando as ondas. Não atende
o apito do salva-vidas nem os gritos intermitentes dos
amigos e banhistas. E foi em direção ao navio ancorado.
...


Bem distante da praia cai em si. O que estava fazendo ali,
se não sabia nadar face ao medo fóbico de águas profundas?
Em agonia, ora imerso, ora emerso no balanço do mar --
gritou e gritou, e morreu afogado sem justificativa.
...


O espírito do corpo do jovem voltou para se hospedar  no
velho. Foi rejeitado. Um minuto antes, a compaixão
criara em seu ser um escudo protetor aureolar. E esse
espírito, agora, vaga no tempo e no espaço.
...


O velho deu de ombros. Pôs-se a caminhar apoiado pelo
andador. E se foi, ansioso pela própria morte, sem
entender o olhar e o pensar malígno que lhe ocorrera.
...


Espírito não é bom nem ruim. Depende dos olhos.
Porque dos olhos vêm o desejo, a cobiça. Da cobiça
vem a fúria. Da fúria vem a morte. Da morte vem o
espírito vagante. Do espírito -- não o etéreo, mas o que
reside em nós -- vem o olhar. Do olhar, o bem e o mal.
E o círculo está completo.
...


Pensamento é o olhar à partir de dentro de nós mesmos.
É o olhar assimilador do real e imaginário. Da forma que
se pensa, se olha. Se não o controlamos, vira joguete nas
entranhas. E, como o do velho, realiza-se sem podermos
refreá-lo não obstante estar perto ou longe de nossos
olhos. Excede à compreensão. Eis minha visão.


***

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