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CABEÇA PARAFUSO





CABEÇA PARAFUSO



Sem o sincretismo de doutrinas da Ira, digo: MORTE!
Não há caridade em mim, só um olhar de rapina.
Num êxtase louco percorro o buraco negro de um cérebro
doentio à procura de luz, da dor indemonstrada.
Desligo-me do bem embrionário.
Ali está a vítima, o ORDINÁRIO.
Aqui, meu desejo de uma antirreligião que hei de inventar
e patentear: a nova ordem.


O ALVO.

Borra social - estrume da terra -  cabeça pensante - colarinho
branco - sapatos de pele de jacaré - duas caras difusas,
gananciais -, impertinente - estereótipo - peneira rasgada -
garimpo de pedras falsas... rateou sesmarias a miseráveis
abaixo da linha da pobreza - pai de filhos bastardos...
ah, e um monte de puxa-sacos em eventos sociais
com aqueles risinhos falsiês... cintura dura para bolero,
samba, mambo... dois celulares ininterruptos... copázios de
uísque importado regando sua vida... FIM!


O ATAQUE.

Eu, num cão negro selvagem - baba nos extremos da boca
de dentes hiper-afiados e um poema maldito entre eles -,
um .38 no alforje que carrego em dia de acerto...
Um ataque pela retaguarda - toquei-o nos ombros...
um tiro à queima-roupa de uma orelha a outra.
Seus olhos azuis de espanto no segundo final -a queda
lenta do nariz empinado a segurar-se no meu casaco e,
em seguida, o som de  seu corpo estatelando-se
no paralelepípedo... o último ui substituia os ois
e ahs!
Mais doze punhaladas  no dorso caído  para 
dar fim à minha fúria - então me acalmei.
Eu tremia com a poça de sangue ó positivo no chão.
Da minha caderneta  arranquei as folhas de seu histórico
e o cobri  com elas no sereno de uma noite feliz.


No outro dia, no jornal, na televisão:
'Corpo retalhado de industrial em plena avenida São João.
Subtítulo: Fulano tal, escravagista sob suspeita, badalado,
do partido tal, cordeirinho de telas televisivas...'
"Cadê sua imunidade parlamentar? Cadê seus seguranças
brutamontes? Cadê o pinto duro que você enfiava em
ninfetas iludidas?"
Gargalhei, sem a certeza que fora eu o justiceiro.
Centenas de urubus colocariam trajes a rigor
e rodeariam o funeral... e os chupins urbanos chorariam
a perda do tico-tico: era um grande homem, diriam.


BONANÇA.

Tranquilo, parei na galeria e li os provérbios de Salomão.
Fui ver  a sinfônica no teatro... uma nova composição,
um réquiem a alegrar-me pelos mortos sem perdão.
Com o perdão da palavra, não sou psicopata, apenas
faço justiça na contramão. Aplaudo a mim mesmo.
Tomei um copo de leite com groselha.
Num surto de imaginação matara a fúria do mundo.
Libertara-me de mais um monstro que me afligia.



***