Translate

Uma prosa a todas as raças








Tinha um viajante (uighur) com seu dromedário no calvário
do deserto, de nada por perto, somente tempestade de
areia sob o sol impiedoso: um entre cada duna. Mas que
montava sua tenda. E como o pardo e o branco punha-se
a mirar a vastidão.

Tinha um homem nativo dos polos, um inuíte (esquimó),
que do seu iglu cobria o corpo com peles e contemplava,
da mesma forma, o mundaréu vasto, branco, das geleiras.
E, quando comia seu peixe, não esquecia de adorar seu
pedaço de chão.

Tinha um indígena no ribeirinho em sua casa flutuante
lá nos confins de um rio, afluente do Amazonas. Ali
tinha seu peixe e vivia dos frutos da terra. Atravessava
o grande rio com sua canoa todo dia pra ver os filhotes
de tartaruga, a desova, e a primeira batalha vital no caminho
da praia ao encontro com as águas. Ficava ali espantando
os pontuais predadores plantonistas.

Tinha um caboclo em seu ranchinho beira-chão que ficava
horas assistindo os andarilhos transeuntes perderem-se
na distância do estradão. Dali a todos acenava e o ano
inteiro aguardava a passagem da procissão. Era a ocasião
de agradecer à vida, sua sina em comunhão.

Tinha um homem branco espiando, do 25.o andar, os carros
lá embaixo, lentos em engarrafamentos; e também pessoas
como formigas na lida pelo pão. Era seu universo,
reverso do caboclo do sertão...

Jamais se adaptariam fora de seus habitats.

Enfim, todos têm em si a sede de viver: um dom gratuito
que está em qualquer cenário natural, está na natureza do
homem ser feliz e ter esperança desde o ponto que o olhar
se feche e diga amém ao seu quinhão com a liberdade de
cada ser único.

Tinha um negro de inglês fluente e formação universitária
num ponto qualquer da África que nunca quis ser clandestino
na Europa e América. E quando, do alto, olhava sua favela (shacks) e,
mais à frente, as luzes da metrópole branca -- sentia que viveria
e morreria ali... e hasteou uma bandeira branca, vermelha,
negra, e amarela em seu olhar.




***