MEMÓRIAS DO CUBÍCULO
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o homem nu.
escrevo a essência
com minha saliva
no chão poento
vejo a maçã
o fruto da criação
caída
inda vermelha
apodrecer
por detrás da grade
onde a vida acontece.
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desamor.
o amor
é a janela indiscreta
onde olho além
todos os sísifos
amarem aparentes
e esta fúria crescente
faz-me ausente
por esquecê-los
riscando na parede
desta cela
o tempo
o que sinto só
sem ter que dividir
o que lá fora eu encenava.
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o escuro.
meu cão cego
sentia minha presença
o que me via
passava por mim
tal sombra que se perdia
nem ao menos sabia
que o escuro que me encobria
era a alegria
de quem queria me sentir
e não podia
o outro era a noite
o cão, meu dia.
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a cela.
aqui estou livre
da prisão plural
uma cama
um urinol
a porção
o vazio
a fruta podre meu sinônimo
meu nome era jerônimo
virei um número
que não conta o tempo.
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o futuro.
sansão decadente
esquálido
calvo
traído pelo destino
filósofo de tolices
à solidez impalpável
qualquer dalila intocável
pisoteando o ouro
flertando
com anjos negros
me levam o sorriso
há um abismo
que nem ouso imaginar
estou coxo
mas o pior em pensar saltar
é saber
que ícaro morreu em mim
assim passam os dias
o rato que me fazia companhia
vive por instinto em sua toca
ali ele é livre sem a luz solar
cumpre sua existência
apodrece
sem que nem eu
tão íntimo
possa notar
da janela deste cubículo
o sol me entristece.
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memórias.
fantasmas
por aí tão livres
aprisionados
em minha cabeça
serei um um dia
vivo memorizo-os
mas em sendo um
aqui eu me veria?
memórias são gotas
que jogo no mar
são palavras
que só têm vida
se alguém as lê.
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de(z)mandamentos.
os decorei
criei uma nova lei
morrendo de ver-me morrer
no avesso do avesso
do que fui lá fora
e a esta hora
misturo o latim
com o hebraico
vejo uma bíblia em branco
nas mãos dos fanáticos
que veem o esputinique tal foguete
pousar no paraíso
o que eu preciso?
simplesmente fingir
no espaço-tempo
de minha loucura
na verdade que reinvento.
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o fim do começo.
insólito
pintei ninfetas
santos masturbadores
pintei o ódio
na tela real
cresci em santidade
mas na cidade
atolei-me na lama
da hipocrisia
precisavam de um mártir
para se perdoarem
escolheram um artista
altruísta
na querência do belo
incompreendido
usava o sentido contrário
do eu sou você
não no ato
mas no pensar-resumo
ordinário
meu ateliê
é um quadro negro
uma sala negra espelhada
onde pinto o autorretrato
do que fui
do que sou
um rosto disforme
o frankenstein de cada um
de toques sensíveis
catando os estilhaços
do quebra-cabeças
desesperado
pra me reconstruir
o tic-tac é meu fardo.
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fim da primeira parte.
hoje, 28/03/2009, de manhã.
'de tudo e por tudo
nunca fui pintor
tento escrever.'