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não cubram de flores meu túmulo






não cubram de flores meu túmulo
nem reescrevam minhas memórias

me procurem em túneis
onde o trem não passa

no escarcéu do mar
no barco à deriva
e marujos desesperados

me busquem em frases
de para-choques de caminhões
a um triz do precipício
da colisão

pensem com seus botões
no clímax que os agonizam

no alçapão que destrava
e  os prendem
quando desconectados se encontram
no lapso memorial fremente

oh, me procurem
nas fendas de rochas inalcançáveis
que alcançam o centro da terra

nas sendas mortais
que precedem a fúria

nos escombros da catedral
atingida pelo míssil
ao lado do cemitério florido
onde jazem meus restos mortais
e os dos animais meus amigos
desde o corte do meu cordão umbilical

me procurem no vácuo
onde o cão de capa preta
deseja trepar com as virgens
santas de um incesto
na fragilidade da carne

oh! não cubram de flores meu túmulo!
minha vida foi o cúmulo
da paz branca que se traveste
em cinzas ao vento
no lado obscuro
do sangue carmesim...

o lado roxo
pigmentado de preto:
o folículo não-coagulante
dolorido de um câncer
no universo abstrato

em que os espíritos
de sodoma e gomorra
se divertem
muito além  de céu e inferno
inimaginável
na dimensão
onde o lixo humano gravita

sem  meios de voltar
para escrever sua passagem
à partir da morte


***