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Por que amo esta mulher.






Porque ao vagar pela Paulista, quase à altura da Augusta,
a vi esconder o rosto atrás do leque e me fitar por entre os
repetidos movimentos no mesmo instante em  que eu pressentia
uma canção romântica, inaudita, talvez "Aline", e senti-me
numa daquelas ruas chiques de Manhattan que Paulo Francis
decantava em  prosa e verso. Levei comigo  seu olhar penetrante
duma virgem  dentro dum  cubículo de vidro transparente
que se insinuava só pra mim  no borborinho duma calçada
de Amsterdam, a Veneza do Norte.
Porque levei comigo a rara fantasia difícil de dissipar-se como
o nevoeiro londrino em  que, andando ao acaso, de repente,
se esbarra numa mulher, convida-a para um  café com  chantilly,
e descobre que ela, além  de simpática, é leitora de Poe,
Pessoa, Mario Quintana, Camus, etc., e chora quando
ouve "As rosas não falam", de Cartola. Aí ela diz adeus,
chama um  táxi que se perde na distância da avenida com
a cabeça virada como se quisesse dizer algo mais com
o mesmo olhar, talvez, de um  fragmento esperançoso,
 entorpecedor desde quando passei à sua frente.


Por que amo esta mulher enigmática, magnética e ultra-sensorial
que, numa plataforma dum  cais de Lisboa, num  ato impulsivo
e frenético, descalçaria seus sapatos de salto agulha e mergulharia
no mar pra alcançar a embarcação na qual eu me encontrasse
sem  perder o lenço branco, amassado em  sua cerrada destra,
só pra dar-me o último aceno até que eu dormisse o sono
profundo... mas que, num  último ato de sobrevida,  eu, muito louco,
saísse do quarto com  a história de "Romeu e Julieta" ao revés,  debaixo
do braço, e fitasse, pela claraboia, nos  meus ângulos de visão
possíveis, todos os astros... e...nesse epílogo vital, eu não
me permitisse deixar de sonhar pra encontrá-la às gargalhadas,
mostrando-me o céu, o céu de sua boca, o céu duma aeronave
em  voo constante que jamais pousasse...


Por que amo esta mulher que,  num  olhar,  leva-me a tantos lugares
de luares cândidos sobre paraísos mutantes, extravagantes,
de choros proibidos... Por que fui me distanciando no vaivém  da rua
com o olhar retro ao visgo que me prendeu por não vê-la estranha...
Por que, num  instante, me apaixonei sem  nem  ao menos escutar
sua voz... Porque, talvez, meu amor resida numa ilha inacessível,
defronte ao meu olhar...e a vida toda senti-me preso, desencorajado
para abordá-la...


Por que amo esta mulher até o deslimite do que penso em  lhe
oferecer desde agora... até estarmos numa varanda contemplando
o vazio e,  já velhinhos, ela iniciar a conversa com a seguinte frase:
"Porque ao vagar pela Paulista, quase na altura da Augusta, o vi,
ali, acompanhando-me com os olhos...eu me abanando
despreocupada e tão carente... e, num  segundo, meus horizontes
abriram-se quando meu olhar e meu pensamento ficaram  contigo..."



***