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E se meu corpo...



E se meu corpo
tem uma luz teimosa
e um dínamo
cada vez mais vagaroso...

E se meu corpo
sente o afã inverso
de meu nascimento...

E se meu corpo
de dois olhos cansados
já não revisa fotos
no álbum de recordações
na gaveta cupinizada...

E se meu corpo
numa sobrevida
--
inda que os dias sejam poucos
e o câncer expanda-se
sobre meus órgãos vitais
--
teime em flertar com a alegria
contorcendo-se em dores
mesmo que o sangue venoso
jorre no branco alvo de minha paz
--
e eu peça a morte:
deixe-me morrer!
sem nunca saber
se entre a dor e a tristeza
meu ímpeto motriz
foi até o último fôlego
dizendo sim à vida...

Este meu corpo frágil
vive no dueto
entre carne e espírito.
Morrer é fácil.
É sem sentido.
Basta ler o noticiário.

Difícil é lutar na batalha perdida
porque o espírito não quer separar-se...


***