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elegia a um poeta






ora ora
se não vês o mundo
por que fazes versos

ora

somente o vistes
nos tempos de outrora
e hoje
fazes tuas projeções

indaga-o

tece-lhes canções

ora ora

escondes os quadros
nas entranhas
e nem sabes mais da lida
das artimanhas

por que

nobre morimbundo
relatas a transparência
das emoções
captas da vida seus torrões
de açúcar adoças nações
do fundo ao cume
em versos mudos
num diário invisível
de idílicas previsões

trancado em si mesmo

alegre e triste
na batalha de empates
que apenas se resiste
em xeque-mates
de mil dedos em riste

ora ora

poeta ébano da escuridão
você e vosmecê
hoje vi o crepúsculo da manhã
o temporal que veio do sul
o arco da aliança em degradê
milhares de guarda-chuvas
num balé nas calçadas
pássaros às lufadas
num incontido afã
de não saber de nada
nem por quê


e tu?

o que vistes
senão o sumo dos verbos
viver e morrer
em bocas várias
proseando
segurando as alças de tua esquife
tuas passagens hilárias

eu?

vi o teto da capela sistina numa foto
o inferno esperando-me de braços abertos
vi as luminárias do firmamento
meu destino num navio sem rota
vi o tempo no espelho


ora ora

não morra agora
veja
todos cegarem-se a ti
pela última vez

o que vês

no negror de teu ser
um clarão abissal
?
lembranças do que eras
?
creia
as feras estão soltas
os olhares magoam
almas cultas e indoutas
de dentro pra fora

ah
ao futuro dou de espora
no cavalo xucro que me leva
sabedor que o que sentes
de fora pra dentro
são teus poemas
que vêm como luz
que saem cegos
insentidos
se se vão embora

***