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O vale das orquídeas.







p/ meu amigo 
Luis Fernando Veríssimo


consagro







Vinha montado no pangaré a trote na álgida noite avançada.
Cenho, calado, rebenque na destra. A sela encilhada no
lombo do sofrido animal. O acicate rebrilhava e distinguia-se
por sobre a bota barrenta.
Homem de silhueta sombria já agora tremia após a bordasca.
Um rosto pregueado de rugas de antigos sóis e ventos secos.
Enfim chegara ao Vale das Orquídeas gigantescas, bem perto
de sua próxima vítima. Depois de léguas e léguas entre planícies
e coxilhas achava-se no labirinto de trilhas sem saber que
direção seguir.
Apeou. Num relance ficou arrepiado ao ver sua sombra fugir-lhe.
De repente ouviu um silvo assombroso vindo de um labelo central,
gris, opaco como a noite. Aproximou-se da pétala e a  viu
desgrudar-se e, no curto espaço entre ela e seu corpo, levou as
mãos ao rosto ressequido, descrendo na transmutação tal mover
rápido dos olhos.
Uma linda deusa desnuda pôs-se à sua frente. Fora encantado.
Um frenesi tresloucado e dois corpos tornaram-se um sobre a relva
molhada. Duas íris verticais na escuridão em incessantes gritos
e gozos diabólicos ziguezagueavam a rés do chão como
vaga-lumes enormes.
Um estrídulo final ouviu-se lá na aldeia de nativos supersticiosos e
algumas choças acenderam seus lampiões. Olhos medrosos
espreitavam pelas janelinhas de palha trançada. Silêncio total.
Na entrada principal o procotó de um animal a galope, assustado,
que frena e relincha ensurdecedoramente.
No lombo trazia um alforje carregado de pétalas de orquídeas
pinceladas de sangue bordô. Por baixo delas muitas serpentes que,
por espanto, em posição de bote, foram atiradas ao chão.
A fragrância mortal pairava no ar. Uma nova orquídea nascera.
A Lua não mais esplendia. As serpentes coleavam inalcançáveis
de volta ao Vale.



***