às vezes recuso
às vezes recuo
às vezes aceito
às vezes vou em frente
já nem sei
porque às vezes
nesta vida tão igual
ajo diferente
***
sou da boca o assobio
a letra a acompanhá-lo
num ato de distração
sou os dedos que tateiam as cordas
mas o que mais vibra
são os anseios
que me levam ponteá-las
às vezes me pego
perguntando-me se sou feliz ou não
às vezes me calo
deixo interminada a canção
como um poema
que hei de escrever
num ato de distração
***
às vezes espero
ver ovn's no céu
o éden de suas moradas
às vezes sou tudo
às vezes sou nada
às vezes estou no pico
às vezes desço fundo
sonhar, às vezes
é só o inverso
dum fragmento de história
esperada
às vezes me engano
me engano às vezes
na vida enganada
mas
se eu deixar de sonhar
como é que fujo
da fugidia jornada
que
às vezes me foge
como o sonho da noite passada
em que esperei no céu
mil respostas que se foram
amanhã já não saberei de nada
***
às vezes penso
que a luz de minha existência
foi a da candeia que recebi
para percorrer meu caminho escuro
e
no lucilar
até o final do azeite
até a última gota
eu ainda consiga
não descrer que meu tempo passou
às vezes
penso também que
na escuridão total
eu apenas diga 'fim'
que continuo só
e é hora de recomeçar
às vezes
encho-me de vigor
pelas pequeninas coisas
que ainda me fazem sentido
sempre à espera da morte
é-me duro ver as gerações
se sucedendo com suas candeias cheias
e eu me sentir na contramão
em espírito
um espírito já obsoleto
inconformado
certo que após o fim
tudo vira vazio no retrato falado
já quis morrer
já quis viver
mas, às vezes
em minhas recusas e recuos
em meus ganhos e perdas
dizer 'sim' à vida
foi-me sempre crer
que meu azeite da candeia jamais acabaria
por isso
às vezes
meu pensar é uma carta sem destino
perpassando de mão em mão
com o histórico
de minha solidez passageira
mas quem se importa
quem jamais se importou
?
talvez eu
às vezes
bem mais de dez mil vezes
o que é mais importante:
o número de óbitos ou de nascimentos
?
acho a alegria efêmera
no primeiro choro dum recém-nascido
.
acho que o último choro de um velho
deixa marcas
acho que aí o começo e o fim se equivalem
***
às vezes uma prisão
às vezes uma escapada
às vezes um pássaro
canoro na gaiola
tão tristonho
já não canta nada
às vezes penso nele
lá na mata
saltitante
dobrando
no meio da passarada
às vezes uma prisão
às vezes uma escapada
voo que não escrevo
pois
às vezes
esqueço-me de voar
desde o romper da madrugada
***
***