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só mais um tiro certeiro



um homem adestrado no chicote
menino com arma na cintura

 o intelectual observa
 a ronda da viatura policial

os varais estão coloridos
as pombas nos beirais
defecam na viela enlameada
ilustrada de eletrodomésticos
e móveis em decomposição.

o sangue da vítima
corre pela valeta de esgoto
junto com os dejetos humanos
produtos de limpeza
e impurezas comestíveis

uma dezena de fiéis vai à igreja
clamar pelo defunto
com mosquitos na boca

os carros-cabritos desfilam
o som do pancadão marginal


as biscates mostram a bunda
e tatuagens de facção nas costas

as barracas abaixam as cortinas
o silêncio incomoda os ouvidos

há buracos de balas perdidas
nas paredes e biombos
que separam os lares:
marcas da guerra do tráfico
comércio à beira do tráfego
dos 'boys' bem alinhados
que se fartam
do trabalho de moços vagais


o velho enrola um baseado
antes de se tornar evangélico
confessar
e tornar-se santo
para reprovar sua realidade,

tv a cabo, sim
internet, sim, sim, são virtuais!
(...)
água
luz
(tudo é gato)
até as camisas de times de futebol
até celulares com chips trocados

lá no pasto
onde as galinhas ciscam
e um cavalo magro pasta
tem um poço artesiano destruído
que a prefeitura cavou,
ali se reúnem os cabeças
para ditar as leis do pedaço.

ninguém sai
ninguém entra
ninguém pia

quanto mais processos
maior a importância e respeito
quanto mais cadeeiro
maior o número de lambe cu.

o estopim tá aceso
e os cusões
planejam uma debandada
à vida politicamente correta

pardos, mestiços, afros
brancos
todos comem na mesma panela
na pequena favela em expansão

quem será a próxima vítima?
só a mãe vai chorar no enterro?

o intelectual anota na memória
faz-se a ocorrência:
morto número tal

um intervalo de tensão
normal
a vida põe-se em movimento
para uma nova pausa

do tiro certeiro
entre tantos
que nunca saem pela culatra


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