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CAIU A DITA DURA!!!


CAIU A DITA DURA!!!

Benedita, chamada carinhosamente por seus dez filhos
de 'Dita', era uma nega forte, gorda, devota de São Benedito
e Padre Cícero. Melindrosa, tomava dois banhos por dia e
ficava, no mínimo, duas horas frente ao espelho.

Viúva. E a quinze anos assumira o papel de pai na casa
branca e azul da Rua dos Anarquistas, 10.

Cuidava de todos os detalhes da casa, da economia... Era
comum vê-la assentada no sofá, na cadeira da cozinha,
fazendo as contas com aquele lápis preto preso na orelha.

Ela tinha dez cadernos. Cada um com o nome de um dos
filhos na capa. Ali ela contabilizava as entradas e saídas
de cada um de seus dez filhos.

Seu humor dependia das contas do caderno. E se alguém
estivesse no vermelho... ai, ai, ai, aí o bicho pegava.

Era ela que fazia as compras, inclusive a de roupas e
utensílios íntimos de cada um. Tudo, tudo era marcado.

Às sextas-feiras ela distribuía aos dez filhos um vale, sei lá,
pra ir ao cinema, uma balada. Coisas comuns. Coisas segredistas.
Afinal, como vigiar dez ao mesmo tempo?

Mas, todo dia 5 de cada mês assobiava feliz pelos cômodos
da casa. Os pagamentos dos filhos caíam em sua conta. E,
daquilo que sobejasse era depositado numa conta de poupança
a cada um, com um detalhe: ela, e só ela tinha o poder de
depositar e sacar. Como ela conseguiu? - não sei.

Dona Dita casou-se muito cedo, aos 15 anos, com a aprovação
dos pais. Com 25 anos já tinha dez (10) filhos. Uma escadinha.
Aos 35, ficou viúva. E o seu caçula, com 15, já pegava no batente.
O filho mais velho, com 25, o primogênito, em tudo apoiava a mãe.
Seu interlocutor, talvez.

Todos os filhos eram solteiros. E, os mais velhos, maiores de idade,
isso é, dos 21 anos em diante, eram completamente submissos
a dona Dita. Uma submissão de berço, diria.

Em tudo pediam sua bênção. Nas mínimas decisões, nos mínimos
detalhes. Ela sabia, por exemplo, do dia da menstruação das filhas.
Ela sabia, por exemplo, e esperava no horário combinado, a
chegada ao lar de cada um. Ela não permitia que um filho seu
gastasse 1 real sem lhe dar a devida explicação. Moleque queria
jogar bola. Menina queria ir na praça central... Iam, mas desde
que a mãe, pelo menos 3 dias antes, já estivesse ciente.

Para os filhos, dona Dita era seu começo, meio e fim. Criara os
filhos para comerem e beberem em suas mãos. Um espirro a seu
lado ou qualquer movimento a que foram condicionados que lhe
saíssem do padrão imposto, o filho seria indagado e até punido
sem direito a defesa e/ou advogado, lógico, figurativamente.

Dona Dita era sistemática, inculta, mas muito boa em matemática.
A casa funcionava como um relógio suíço. Tinha hora pra ver TV,
rádio. Hora do café, da janta... Na janta, todos deviam rezar juntos
assentados nas 11 cadeiras ao redor da mesa. "Ai, se uma estivesse
vazia!" Ela via isso como um ato de insubordinação... o castigo era
cruel: sem rádio, sem TV, sem roupa lavada, sem divertimento
nenhum no tempo ao seu critério.

Penso, e falo por mim, que até o marido, enquanto vivo, era
dominado. Este fato grotesco, hoje em dia, é-me impensável...
Tá certo que isto aconteceu nos idos da década de 70, enfim....

Os filhos, às escondidas, prepararam uma grande festa para
comemorar os 41 anos da mãe. Assim, só entre eles. Nada de
vizinhos, amigos, pretendentes. Não, seriam eles e a mãe amada,
idolatrada. E seria na sexta-feira à tarde. Justamente quando ela
fora ao Banco retirar os recibos do depósito mensal de cada um.
Aproveitariam a oportunidade para terem uma conversa franca
com a Aniversariante. Falariam de seus problemas, de suas vidas,
individualmente. O dia D chegara.

E ela retornou a casa azul. Adentrou. E antes que pronunciasse uma
palavra, numa só voz começaram a cantar o 'Parabéns pra Você'.

Num misto de raiva pelos não depósitos e emoção pela festa surpresa
vociferou: "Traidores! - o que vocês fizeram?! Cadê o dinheiro?
Vocês me roubaram! Vocês já não são meus filhos!... e outros
palavrões."

Sentou-se ofegante no sofá, aérea, confusa, e borrou o rosto
com suas lágrimas escuras de maquiagem.

Naquele dia ses filhos reclamaram do sistema que viviam. E
fizeram confissões: um disse ser homosexual; outro, que fumava
maconha; outro que virara evangélico; dois outros que, num
romance escondido, já eram pais e um outro padastro. Os dois
menores, de 15 e 16 anos não opinaram.

De repente ela se levantou, e encarou a todos, talvez para
esbofeteá-los um a um. Heis que suas duas filhas, aproveitando-se
da lavagem de roupa suja, confidenciam: "Mãe, desculpa a gente,
somos lésbicas, gostamos só de mulher, sabe com é...

Aí, a Dita caiu dura, ou melhor: CAIU A DITA DURA!


N.A. - Sabem duma coisa: depois de sua morte houve até uma
abertura e, seus filhos, cada um, pôde ser dono do próprio nariz.
Tomara não tenham herdado nada e que a sombra da Dita não
permaneça nas futuras gerações de seus filhos, espero.













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