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CINCO SAFADOS E UM FUNERAL





Recebi a notícia. Fiquei atônito. Como pode?
É inacreditável! - pensei com meus botões. Minha
pressão subiu, desceu, sei lá!

Era o tipo de colega que você não sabe de onde veio
e pra onde vai. Mas em todo final de expediente nos
reuníamos no bar. E, para complementar, o corpo
já estava sendo velado no Velório Municipal a
12 quadras de casa.

O Barros morreu.

Veio-me a lembrança da noite anterior
em que estávamos no Bar do Ceará rindo à toa,
comendo um churrasquinho, contando piadas,
discutindo futebol, tomando umas 'brejas'. E o mais
importante: falando de mulheres em geral. Não!-
de uma em especial que o Barros colocava acima do
bem e do mal. Seus olhos lacrimejavam quando falava
dela sem citar o nome. Não sabia de quem se
tratava, mas o consolava mesmo assim. Não me eram
novidadeiras suas palavras. Não. Quantas e quantas
noites 'de pileque' fui seu confidente. E de pileque em
pileque uma frase que toda vez me dizia: "Frederico,
se eu morrer gostaria que você, um cara do seu tipo,
ficasse com ela. Mas vou durar mais 50 anos" . E ria.
Eu sempre o indagava a respeito da amante misteriosa.
Ele respondia: "É um amor impossível. Ela tem um caso.
E eu sou bem casado, tenho família. Que sinuca de bico,
cara."


Despedi-me de minha esposa. Disse-lhe que ficaria
fora a noite toda. Cheguei ao velório. Tirei meu lenço
cheirando a naftalina do bolso. E chorei de emoção.
Não pude me conter. O Barros - um cara forte, um
touro - ali dentro do caixão com as mãos sobrepostas
no peito; aquele terno azul marinho italiano; aquela
camisa branca de linho e uma gravata azul celeste
com listras diagonais azul rei. Sim, aquele terno que
nunca havia usado, pois guardava-o para uma ocasião
especial: o dia em que se via no altar com a amante
misteriosa.


Muitos desconhecidos abraçaram-me. Como o Barros
tinha amigos. O salão estava lotado. Eram vizinhos,
parentes, colegas de bar e trabalho. Todos em grupos
bem definidos. Abraçada ao caixão, consolada pelo
casal de filhos, sua esposa. Fiquei perplexo. Quantas
vezes saíra com ela, a Clara. O remorso tomou conta
de mim. Não tive coragem de me aproximar para
dar-lhe as condolências. Apenas trocamos olhares.


Lá pela uma da 'matina' chega ao velório a Rosinete.
Linda, toda perua. Aquele rosto angelical e safado ao
mesmo tempo. E, para espanto de todos e da esposa,
chorava tanto que só pegando uma bacia para recolher
suas lágrimas. Veio em minha direção porque, ali, só
conhecia a mim.


Oi Fred (com olhar abatido, humilhado).
Oi Rose (com olhar desconfiado).


Ficamos calados. A Rose olhava pro caixão e em seguida
pra mim. E eu o inverso. Passou-se 30 minutos, até que
ela quebrou o silêncio:


- Vamos embora, Fred.
- Vamos.


A pé saímos às escondidas. Paramos numa lanchonete
da avenida Fernando Pessoa, a principal via aqui em
Pau Arcado. Ela pediu um chope com batatas fritas. Eu,
um café expresso duplo. Afinal estava com sono, abatido
e com o coração sangrando. Fora o pesadelo em saber
que a Clara era esposa do Barros... E uma pergunta dentro
de mim. Perguntei:


- Rose, de onde vocês se conheciam já que ele morreu?
- É uma longa história, querido. Era um colega de trabalho.
Deixa pra lá. Vamos fazer amor... assim esquecemos.
- Rose? - como você pode pensar nisso agora? O Barros,
meu amigo... estou triste, sem inspiração.
- Estou inconformada e isso me excita.


Saímos abraçados da lanchonete. Fomos a um hotel
barato perto da estação de trem. Ficamos até ás 4
da matina. A Rose estava insaciável. Fiz companhia
a ela até ao ponto de ônibus. Despedi-me.


Cheguei em casa muito, muito pensativo. Dei uma
olhadela da porta do quarto. Minha esposa dormia
feito um anjo. Mas duas questões me intrigavam
desde que vira a Rose no velório:
Primeira: O que o Barros tinha com a Rose?
Segunda: Será que a Clara, sua esposa, nunca
desconfiou dele e vice-versa?


Vida dura será a minha. - pensei. Ter de consolar a
Clara. Mas o meu grande amor é a Rosinete e ponto!
Tirei a roupa pra dormir. Puxei as cobertas: minha
mulher dormindo de roupa de passeio, de noite, de
sapatos, brincos e com o batom borrando-lhe os
lábios. Será que ela havia se cansado de me esperar?
Mas não íamos sair! Não. Raios! Isso não. A Gisele
não me trairia por nada desse mundo. - disse a mim
mesmo. E dormi até às duas da tarde.
Às 5 horas fui ao enterro.

Bem, deixa eu me apressar, vou a missa de sétimo
dia às 6. E já estou atrasado.


OBS: Vivo bem com minha mulher. Só não entendo
a mania que ela tem de colecionar preservativos.




*****




pileque - bêbado, embebedado.
brejas - cervejas
cara - a pessoa, o sujeito
matina - madrugada
sinuca de bico - situação difícil, sem solução




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