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o contista induz, o leitor deduz.




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Miniconto 1.

Por instantes esquecera-se do infeliz casamento.
vivia um caso às escondidas que a esposa
desconfiava e ambos juraram matar um ao outro.
ele começou a usar um punhal na cintura.
ela uma maquininha de choque na bolsa.
o duelo se daria quando acontecesse o flagrante.

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Miniconto 2.

Por motivos escusos fora deixado numa clínica
de repouso. fugiu. tornou-se um andarilho sem
documentos de lá pra cá em guetos de uma cidade
nos confins do tocantins. do meio de sua bíblia
nunca descartou as fotos dos filhos que achavam
que sua fortuna duraria para sempre. contudo,
vêem na mãe, a heroína que inda lhes dá a teta pra
mamarem.
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Miniconto 3.

O rapaz, pra fazer uma panca com os amigos de sua
turma, não se importava em mijar onde quer que estivesse.
era seu jeito de ser notado. um dia, quando mijava
no jardim de frente pro bar, um senhor que ali morava
ao notar seu despudor, quebrou-lhe a cara, tirou o pinto
pra fora e mijou no rapaz. quando chegou a polícia
o senhor foi indiciado criminalmente por ser averso
à má educação como se fosse o último dos moicanos
a combater a inversão e banalização de valores.
o rapaz era um ex-namorado de sua filha mais velha.

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Miniconto 4.

Chegou triunfante no terminal do tietê.
precisava de novos ares, dar uma nova  oportunidade
a si mesmo. arrumaria um emprego na construção civil
e voltaria à sua terra pra ser invejado pelo antigo patrão
que o trocou por um burro que não reclamava do trabalho.
tudo porque o agricultor, ao lado de sua chácara,
começou a enriquecer e até pensava em comprar um
trator. sempre vociferava ao ouvido do pobre coitado
que se um dia tivesse um,
jamais o poria para conduzi-lo, pois era burro demais
até pra tentar algo que lhe causasse espanto, indignação.
sempre lhe dizia o dito popular: "burro valente,
carrega carga mas não sente", dia após dia.
depois de alguns anos o "burro'  regressa com um sorriso
de uma dentadura novinha, uma corrente de ouro no pescoço,
sapatos brilhantes, gravata de seda,  camisa de cetim e um
terno impecável.
-- que tal uma sociedade?, disse o antigo patrão.
-- que tal o senhor me vender suas terras e tornar-se caçador de
calangos. ah, trouxe-lhe uma cartilha pra, pelo menos, o senhor
aprender a assinar seu nome sem que o tenham que marcar com
ferro quente -- respondeu.
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Miniconto 5.

Estava escrevendo um conto minucioso sobre a condição humana.
sem perceber, indiretamente, falava dele mesmo.
aí, descontente, recontou tudo ao contrário.  parou. pensou.
'se induzo-me a mim mesmo, resta-me deduzir que não sou
nada disso que escrevi. será minha vida um conto que
outro escreve sem mesmo saber que existo? deixa pra lá,
qualquer dia num conto eu me conto, lógico, com um
pequeno desconto ao que não vivi, senão que porra de contista
eu sou?"

olhou pro espelho, fez algumas caretas, saiu dançando e assobiando.
de repente, uma luz. escreveria uma historieta de um homem
que não queria ser ele pra não vegetar na condição humana.
a partir daí começou a rascunhar um anedotário.

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(hoje, 13/9/2010, às 11h00)