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ESTAÇÃO DO BRAS




ESTAÇÃO DO BRÁS

Estava tão caído que até cães lamberiam minha boca.
Consultei o analista. Ele me disse que minha tristeza
era pouca, pra dar um tempo, que a vida era mesmo
louca. Foi quando você, num desses horários de rush,
no meu peito fez morada. Desde então te amei, te amei,
te amei dez vezes mais que a primeira namorada.

Mas foi um cavalo de Troia. Tempos depois, assim do
nada, ali, na Estação do Brás, disse-me adeus e embarcou
calada. Chorei, chorei vendo outros casais as risadas, e
tanta gente infeliz mas que tinha naquele momento um
rumo certo no fim de jornada.

Embarquei no trem de volta chorando como nunca chorei.
Para uma senhora, meio à lotação, minha história contei.
Apresentou-me sua filha e tudo, de novo, desabafei.
Peguei seu telefone e dois meses depois pro seu
departamento liguei.

Marcamos um encontro na Estação São Bento do metrô.
E jogamos conversa fora. E, no cinema do Center Norte
a levei. Dei-lhe um anelzinho folheado a ouro e ao analista
voltei. Ele me disse vá em frente que a sede de viver é
urgente.

Nos casamos. E uma bela cerimônia festejei.

Fiquei surpreso quando recebi uma cartinha com o perfume
de quem tanto amei. Dizia que se arrependera, que muito
sofrera. E que só agora sabia o quanto me amava. Mas não
sabia o quanto dividido ela agora me tornava.

Por acaso fui encontrá-la na mesma Estação do Brás. Disse a
ela minha situação. Vi-a entrar no vagão chorando como
minha vez primeira em que fui ferido pra vida inteira.

Passado alguns anos minha mulher definhou. E um câncer
maligno sua vida tirou. Sofri tanto que nem sei. Envelheci.
Mas não sentia-me mais caído. E o analista, num desses
contos de revista, ficara louco com seus altos e baixos de
divagar sobre o amor sem nunca ter feito uma conquista.

E continuei indo e vindo no trem das 6. Solitário. Descrente.
Aceitara minha sina: sem mulher, sem filhos; sem vida social.
Quanto mal o bem de amar pode um homem maltratar?

Numa destas idas e vindas, no crepúsculo, andando pela
comprida plataforma da Estação do Brás, deparo-me com o
grande amor da minha vida. Cabelos grisalhos como os meus.
Bela ainda. Trocamos confidências. Ela nunca se casara.
Disse-me que teve alguns flertes e que, em todos, uma pessoa
igual a mim jamais encontrara. E choramos juntos com nossas
histórias.

Estou terminando meu diário aqui neste leito de morte. O
diário que ela me deu ainda adolescente. Hoje ela vem me
visitar e sempre me lembra que temos a eternidade pela frente.


Relendo e folheando aleatoriamente, penso que tudo podia ser mais simples

Como o amor cega a gente.
Amar devia ser só o tempo presente,
Se vejo romper neste quarto de hospital
um vulto reluzente, e digo em voz interior:
De tanto amar!
De tanto amor!
Esta vida é mesmo
O trem que vem e vai
Vejo descer num dos vagões
Ela, que veio o ex-amor rebuscar.



***









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