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O COLECIONADOR DE OLHARES

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Arranco-lhe os olhos em cortes cirúrgicos
Fostes meu escolhido das panelas que vivi
Sugo teu sangue, frito tua carne, teus músculos
Separo tua cabeça, corpo e membros aqui
Com uma grossa lâmina e um simples bisturi.

Mas teus olhos não engulo. Tenho nojo.

Ficam imersos na vasilha de vidro transparente
À minha frente, olhando pra mim
Foram olhos diabólicos
Mas agora são de querubim.

Vês agora persona non grata...
Ria agora, animal desprezível
Da minha submissão,
Da quinquilharia de meus bens,
Ria agora dos meus infortúnios,
Dos infortúnios de outrem.

Veja agora quem dá as cartas
Veja quem sempre te quis bem,
Enganavas tantos coitados
E dos seus sonhos rias com desdém.

Não sabias de minha astutez
Que eu o escolhera como vítima
Tramando teu destino na embriaguez.
Num descuido, quando menos esperavas
Meu machado macabro de aço alemão
Cravou-lhe o peito em terreno ermo
Sem o lume da Lua minguante
Sem viva'lma a ver a provação
Da morte que não tem meio termo.

É, teus olhos não engulo. Tenho nojo.

Escarno tuas nádegas flácidas
Tiro outros bifes de tua barrigada
Estou cá nesta madrugada
Churrasqueando tua carne assada.

De você ninguém sabe, ninguém viu
Nem polícia científica nem civil,
Fale-me agora imbecil
Que eu era efeminado da puta que o pariu,
Um amor de pessoa
Viciado em Fernando Pessoa
E não à toa
Dedico-lhe este poema horroroso
Porque a cada vítima acho gostoso
Defecar minhas últimas palavras
Como réquiem mimoso.

...seus olhos, aí, abertos, vendo tudo...

Do homem-lobisomem
Que viu suas derradeiras fezes
Saindo-lhe do cu mal-cheiroso
Tais minhas teses,
Que culto e teórico as defendo numa redoma
Acima dos mortais
Por não saber fazer poemas e coisas e tais...

Assim sou, assim são
As rimas de minha transfiguração.
Loucura não!
Sou um ser sublime...
Uma senhorita virgem, meiga, pura,
Acima da compreensão.

Veja, veja, tudo bem.
Veja teu pênis e teu testículo
Oferecidos a meu negro cão
De nome Sombração,
Deliciando-se ao nobre odor
Que ofereço em sacrifício
A um ser superior.

E, depois deste banquete,
Pra encerrar minha particular cerimônia
Com parcimônia e um pouco de sorte
Teus olhos darei as piranhas
Do rio lá do fundo,
O rio da morte.

Mas, quero vê-los até me cansar
E a eles também dar meu olhar
Bem devagarinho...
Com todas as caretas que possa inventar.

Te escolhi a dedo, mancebo
Por causa de teu olhar peçonhento
Não pelas palavras perdidas ao vento.
Não.
Não me considero antropófago
Nem coisa que o valha
Fumo meu cigarro de palha
Escarro em teus restos mortais
Reflito
Foram nossos desejos à morte, plurais?

Puxa!
Que lindo foi seu espernear
À primeira machadada,
Que linda a piedade de teu olhar,
Tua dor, teu estrebuchar;
Sou bom, você foi  meu oposto
Pois com todo teu sofrimento
Ainda assim abaixei-me
E o abracei rosto a rosto
Pra sentir teu último respirar,
Coloquei meu ouvido a rés de teu peito
Bem próximo do sangue a borbulhar.

Que lindo!!
Coitadinho...
Quem há de te exumar?

Acho que o que sobrou de ti
Enterrarei junto as covas
De outros desafetos
Que nas noites escuto seus doces ais
No fundo desta chácara hoje feliz
À sombra dos pinheirais.

Mas teus olhos não engulo. Tenho nojo.




(2009)

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