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Primeira Entrevista de Rehgge com o Capiroto



Poema amoroso já não me causa impacto. Poema religioso, idem. Poema introspectivo, erótico, repetitivo, saudoso, esperançoso, espetaculoso, alegre, tristonho, furioso, reflexivo, agridoce, etc., e de agonia e êxtase – já não me causam impacto. Já escrevi centenas.
Aí o entrevistador me retruca:
-- Ô punheteiro das palavras, diga o que você quer?!
-- Quero fazer um poema acima do bem e do mal terreno. Isto é, desta dimensão – que seja como o perfume fenomenal, capaz de seduzir o mais frígido dos seres. Ah, meus poemas me são como gozos naturais, mas nunca me deram um orgasmo. Escrever, pra mim, é como ser dependente do álcool, da nicotina, do THC e outras drogas alucinógenas que só conheço em filmes atuais e retrôs; drogas sintéticas sei lá o que são. E você, ó, avesso bíblico, asa caída, quebrada, que foi atirado do céu sem ter o dom de voar? Acho que você bateu a cabeça e ficou lelé tal este mundo que desentendo.
-- Ah, mas de você quero um texto sanguinário, explosivo, tipo filme americano de sofreguidão e caos. Se você tiver um tempinho, me faça uns versinhos que lhe tirarei do anonimato.
-- Eia! Eia, 666! Tapa na oreia!!
...
Dei-lhe um tapa no pé do ouvido que a cabeça dele girou sobre o pescoço mais de cem vezes. Quando o rosto, travestido de boa fé, parou – borrifei ácido sulfúrico em seus olhos de peixe morto. Ele voou desconcentrado, meio pinel. Notei-o dar de cara na torre de celular e TV que captam sinais de satélite. Em seguida, despencou em cima da cerca elétrica e leu a
placa: “Sorria, você está sendo filmado.” Vi-o ligar um aparelhinho e gritar “socorro!, esse filha da puta de poeta é incorruptível, blindado!” Umas ideias bestas vieram-me à tona:
1 - Seria o Diabo um alienígena transexual?
2 – O bicho detesta o inverno. Não creio que vá para o Norte. Alaska?, nem pensar! Ele deve gostar de países tropicais, do verão, do Oriente Médio... areias, nômades, tribos, guerras... suas praias.
3 – O aparelhinho... será que foi ele quem inventou o monitoramento via satélite, a micro câmera? Será que ele está envolvido no Projeto Genoma?... não, não, é contra-senso...
4 – Será que ele se esconde no fundo do Etna ou outro vulcão que, quando está em erupção, define seu humor?
...
Bem, terminadas minhas interrogações, comecei a escrever um texto: assim:
“Pus o Diabo pra correr / Ele estava interferindo / No maior poema / Que pensara escrever”.
Não, não estava legal. Recomecei:

“666
Por que cê sempre sacaneia
Meu clímax na lua cheia
Até tu ser meu tema
No mais horrível poema.
666
É o número da senha,
Vá perturbar outro artista
Arranque os dentes com alicate
Sofra!
Xeque- Mate!
Não sou bandido
Nem parido de biscate,
Tu é fel na boca
Com invólucro de chocolate,
Nunca te disseram
Que combato no combate;
Quer saber
Judie-se de bondade,
Meu maior poema
Pra te foder
Escreverei na eternidade.
...
Virei o último gole de cachaça e pus-me a caminho de casa. Nossa, que surreal!
Meu Deus, que carnaval de horrores!


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