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cadeira de balanço.



e se belo é o despertar de Larissa
ali bocejando, sonolenta
inda com preguiça
na cadeira de balanço
mirando, como de costume, a alvorada:
mais um capítulo
real da novela passada...
se não lhe passa a dor indolor
da vontade imensa;

no que ela pensa,
se não vê minha presença?

de que lhe adianta
o canto do sabiá
e, no aparelho, o cd de Bach?... e  barquinhos 
de papel na correnteza
do rio soluçante nessa hora agá?

de que lhe adianta
salivar cozendo apetitoso prato,
se silencioso e ingrato
é o desassossego reprimi-lo
se não estou pra digeri-lo?

de que lhe adianta a oração
aos pés da Virgem Maria,
se lá fora não estou,
mas até do inferno me tiraria
se pecado fosse
descartar o dia,
esquecer da vida
até morrermos na travessia

"e lá se foi meio dia..."

e ela revira as gavetas da cômoda
abre as portas do guarda-roupa
tateia minhas camisas
meu terno de linho,
vai até o armário debaixo da pia
encontra o saca-rolha
inconformada bebe um copo de vinho;

acende outra vela
por hábito, simpatia,
olha pra si mesma
e almoça sozinha,
(...)
liga desesperada aos amigos
pra jogar conversa fora,
repensa: "e agora?"

de que lhe adianta
reler o livro amoroso de poesia casta,
se pra renascer a emoção
a solidão nem isso basta?

rótulo da tarde.
a casa está arrumada
se acaso eu chegar.

um filme na tv, quem sabe?
uma conversa virtual, talvez...
(...)

vê o pôr-do-sol
entre as montanhas
em lúcida fantasia...
de que lhe adianta tanta beleza
e a pureza
da lágrima de um dia
filtrada
como resumo de tanta incerteza?...
(...)

é hora de dormir
na cama de casal,
apalpar o travesseiro,

refletir...

lá fora tudo é feliz pros outros
protegidos da vida vazia...
na cama confortável, mas fria

de que lhe adianta sonhar,
se amanhã
-- na cadeira de balanço --
só a esperança dela
pode me encontrar?


***