o palhaço deitado
debaixo duma árvore frondosa
viu que a vida não é cor-de-rosa
de repente calado
dobra uma folha de papel
azul da cor do céu
deprimido
com a cabeça em carrossel
limpou a maquiagem do rosto
voltou a ser ele num dia de agosto
olhou lá em cima um galho
pensou em se enforcar
mas não tinha corda pra pôr no pescoço
interrogou-se:
por que o show tem que parar?
esse dilema quis levar consigo
mas quando viu a linha do trem
lá diante vinha um mendigo
andando torto
com seu pé de pau
lendo em voz alta a canção da vida
quis correr e abraçá-lo
depois de um dia doído
não conseguiu
sem saber
nele
a graça de viver
à margem da tristeza
havia falecido
o mendigo passou de largo
gargalhou
voltou
tocou o corpo inerte
despiu a fantasia do palhaço
abriu a caixinha de tintas
se pintou sem espelho
pôs o nariz de borracha redondo
as calças largas de bolinhas
o sapato-jacaré
a camisola larga presa nos pulsos
(ali deitado apenas um cadáver nu)
riu de si mesmo
e se transformou no palhaço
mais esquisito do mundo
pegou o avião de papel
desdobrou
leu a frase:
'um leão atrás das grades
em plena selva;
um palhaço que faz graça
pra cegos e surdos
ao som da cidade;
a canção da vida absoluta
são as cores querentes de nosso ser
no mais
carecemos de embalagem
pra embalar o riso escondido
nas entrelinhas do padecer'
e foi pelo caminho
assobiando
sua canção da vida
doravante
seria palhaço pra sobreviver
mas sem dom
teria que aprender
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