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Jaqueline.

Jaqueline morreu mocinha.
O pai dela há muito nas nuvens era inquilino
A mãe abandonara a casa e  perdeu-se na vida, iludida por um marujo,
e  ninguém soube mais  de seu paradeiro.

Só eu trago-os na memória e, depois de mim,
nossa história amical virará pó até parecer que nunca existimos...

Aqui, vagando à toa sem destino, lembrei que também fui menino.
Adorava meus pais tanto quanto Jaqueline, e chorava escondido,
até sem querer, pela incapacidade de pintar a vida do meu jeito.

Se os olhos são os espelhos d'alma e o pensar a alma dos olhos,
creio que não há nada de novo em mim, apenas sobrevivo com meus relances
sem entender por que a vida é assim...

Quando nem damos conta já estamos definhando no cenário mutante
que nos faz, simplesmente, artistas de um a peça só, onde os dias
é que contam nosso trajeto e, quando vem a saudade,
temos o que resta de nossa existência pra esquecê-la.

Algumas lembranças, sem querer, permeiam nosso imaginário
e nos enchemos de desmetáforas até perdermos as ilusões lunáticas
que nos incitam a continuar e, alguns ciclos vitais, aleatoriamente,
vão se apagando, tanto que nem me recordo mais o que me levava
ir a casa de Jaqueline e por que eles gostavam tanto de mim e eu deles.

Quando eu já era moço, descobri que nós dois éramos filhos adotivos;
descobri que ela foi meu primeiro amor e eu o dela. Uma de suas amigas,
anos depois, me entregou um caderninho com muitas declarações escritas
em coraçõezinhos sobrepostos.

Depois de tanta timidez e ingenuidade, depois de Jaqueline, meus amores
nasceram manchados de outros sentimentos, e o pilar do que eu sentia
virou um túmulo em que só  o orvalho adorna... As nossas casinhas, pareadas
no mesmo terreno, deram lugar a um grande edifício. Quando passo em frente
nem acredito que ali morei e ali  morou meu único amor, aprisionado dentro de mim,
imutável em noites que, quando garoto, eu acreditava ser eternal...



vida
uma vala estreita
de falhas e imprecisões
mas o que seria de mim
sem minhas ilusões


o que seria de mim
se meu eu-aviador alça voo
em cada percalço
e
se a cada queda livre
antevejo biombos
pulos e tombos
pra decolar
com tanto fim de mundo ao meu encalço


guardo na memória
dias que jamais voltarão
linhas de um novelo
hoje apodrecidas
as quais
amarrei o tempo

(ingênuo)

para que o amor
sim
inconteste
nunca fugisse de meu interior
rápido
como um 'delete'
de uma imagem inapagável

e
se este nobre sentimento
um dia se perder ao vento
que ainda eu o peneire
na velhice de minhas
relembranças
por vezes malvadas
tais
a visão de um rio
a arrastar tudo o que lhe cai à margem
...
talvez eu seja apenas um lago abissal
de aparente calma
capaz de tragar para dentro de mim
os risos triste/alegre
de idas primaveras

***
































sem sal, sem céu, sem sol



........




saio do fundo de mim mesmo
lá fora
a sufocante expressão dos sentidos
gente apressada e insossa
autômatos sem horizonte

sem sal
sem céu

sem sol
numa música de um só acorde

que me diz
"acorde

volte para dentro de si
cale-se

o garimpo é tortuoso
guarde tuas pepitas
além dos olhos nus"

o ceifador vai na frente
eu 
após
plantando minhas sementes
alheio às futilidades do tempo

sem sal
sem céu
sem sol

***






que poema tirar da cartola?

que poema tirar da cartola?


o girassol busca o sol
o navegante o destino
a gélida sazão a quentura a pino
a investigação a interpol
rs

eu a sobreviver me atino
matutando a cada arrebol
nunca serei peixe adulto
é-me cômodo ser girino
pra vida sou pseudo arguto
num memorial repentino

a poesia busca  a gruta
esquecida da escol
a minha um tanto biruta
é carne viva  no formol


minhas palavras remexidas
um cacho de marimbondos
se perdem no besteirol


talvez eu busque o sossego
mas o que me dá medo
nestas nuances antigas
é achar que posso prever
qualquer passo antes dos tombos
com o microlume  dum farol

que poema tirar da cartola
duma flor
dum pássaro
dum sentir camuflado
do amor
????
(às vezes penso em cortar uma mulher em quatro
e arrancar-lhe o coração...)


escrevo para  Et's
a vocês e vosmecês
do meu canto escuro
no silêncio
substrato do crisol

não sou água corrente
talvez um poço esquecido de águas mortas

jogo meu anzol

de vez em quando pesco umas frases tortas
que não limpam meu peito
como a essência do eucaliptol


>>>







***


















mistério de uma certeza única.

mistério de uma certeza única.

vejo a flor do abismo
intocável
à flor da pele

interpreto-a

o que a derrubará primeiro

o sol
a chuva
o vento

e eu
o quê
?

senão tudo que contém o tempo


ela renascerá
eu virarei esquecimento

***


cadê meu óculos?


quando perco 
o meu óculos bifocal
sem me lembrar onde o larguei
fico tipo o viciado sem seu  jereré
na busca implacável de achá-lo

dos males o menor...
esta situação que amiúde acontece
me permite alguns momentos de reflexão
:
como é duro ver tudo embaçado
ver nas letras um borrão
de um título escrito


PAZ
(primeiro atributo zeloso)
em vermelho manchado
um tom de cor pendente
à flor da pele
que esta  minha cegueira temporária
dá ao meu intelecto um gole de vazão

cadê meu óculos, caramba!

preciso re-enxergar urgentemente
pra voltar a fazer número
na  realidade sem explicação

cadê meu óculos
 me pergunto
remexendo as gavetas
perfazendo meus últimos atos

ah
será que o deixei no banheiro
quando me olhava no espelho
com cara de um durão forasteiro
que ia fazer justiça
com a caneta na mão
ciente de que palavras 
e só  as palavras
são capazes de dar luz a febre mundana

que um dia me cegou
me exilou dentro de mim mesmo
desertando-me do grupo
para achar-me em escura retidão?


cadê meu óculos, caramba!


***