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3 poemas





símbolo.

punhal na cintura
encarava o mundo
me dava exemplo
à fuga do poço fundo

ficava ali à porta
o velho templário
da casa amarela
com seu hinário

na entrada defronte
me fazia limpar o pé
olhava nada no horizonte
sorria à minha mãe
bebericando café.

de segunda à segunda
eu via o trilho de suas pegadas
suas botas enlameadas
o suor na velha camisa encharcada,
mas eu só percebia -
quando ordenhava a vaca leiteira -
o brilho reluzente do punhal
no cinto de sua calça rancheira

era assim a tarde inteira
no final o sinal da cruz
antes do cuscuz
revisando seus trecos
ao pé da mangabeira.

cuidava dos pássaros ariscos
jogava milho às galinhas
passava o rastelo nos ciscos
heranças que seriam minhas

cuspia a gosma nicotinada
do  fétido cigarro de palha
cantarolava glória a deus
com os olhos no verdume
que  hoje os meus embaralha

eis que vinha a lua prateada
surgir no fim da jornada

apontar seu sonho
encostar sua enxada
namorar minha mãe
comer, dormir, esperar
o galo cantar de madrugada

meu pai nunca usou o punhal
que eu via na sua cintura
o punhal era sua marca de guardião


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retorno à fantasia.


ah, se inda me vejo
na pureza duma criança
que fazia festança
com as doces jujubas
no bolso da calça de algodão

ah, esforço em vão
piruetas que dei
que não voltarão,
ah, piruetas da vida
piruetas do meu coração!

ah, sala de ancestrais
já não me verei jamais
brincar na estação
já não corro pelo gramado
à sombra dos pinheirais

ah, se inda  me vejo
feliz à vida
ladra deste desejo
roubar-te um beijo
nestes temporais

te daria os doces carinhos
que tenho guardado
no peito sangrado
em desencantos tais

em troca de teu sorriso
voltar eu preciso
aprendi machucado
a te amar mais e mais.

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amores de infância!


ah, os amores de infância!

quanta errância
posso hoje notar nos meus passos!

mas se eu pudesse
se inda eu pudesse
correr à beira dos riachos
levaria flores aos maços

àquela que não esqueci
neste presente
a fazer-me regredir
relembrar
seus mínimos traços.

longínquo é o desejo
que não envelhece

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o recanto de meu ser.

ladeando a estrada turva
miro o norte de minha sorte
e sigo
e sigo desesperado
a um nicho virginal:
marca divisória existencial

ladeando a gruta da estrada
onde os morcegos têm morada
adentro ensimesmado

espero o átimo fatal

lá fora tem uma estrada turva
uma estrada racional
lá fora tem uma estrada turva
que me trouxe aqui

brilha o Sol lá fora
sobre a estrada turva
toda hora mas agora
encontrei a luz que perdi



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