punhal na cintura
encarava o mundo
me dava exemplo
à fuga do poço fundo
ficava ali à porta
o velho templário
da casa amarela
com seu hinário
na entrada defronte
me fazia limpar o pé
olhava nada no horizonte
sorria à minha mãe
bebericando café
de segunda à segunda
eu via o trilho de suas pegadas
suas botas enlameadas
o suor na velha camisa encharcada
mas eu só percebia -
quando ordenhava a vaca leiteira -
o brilho reluzente do punhal
no cinto de sua calça rancheira
era assim a tarde inteira
no final o sinal da cruz
antes do cuscuz
revisando seus trecos
ao pé da mangabeira
cuidava dos pássaros ariscos
jogava milho às galinhas
passava o rastelo nos ciscos
heranças que seriam minhas
cuspia a gosma nicotinada
do fétido cigarro de palha
cantarolava glória a deus
com os olhos no verdume
que hoje os meus embaralha
eis que vinha a lua prateada
surgir no fim da jornada
apontar seu sonho
encostar sua enxada
namorar minha mãe
comer
dormir
esperar
dormir
esperar
o galo cantar de madrugada
meu pai nunca usou o punhal
que eu via na sua cintura
o punhal era sua marca de guardião
***