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O.C.O.


ele, em estado terminal, sentava-se no fundo do quintal naquele banco úmido já carcomido pelo
tempo; e ficava ali horas observando os voos, as idas e vindas dos pássaros, bem antes da
visita dos morcegos frugívoros, como que esse ato de espreita fosse sua matemática do tempo;
acompanhava minuciosamente o traçado das formigas na parede e o som citadino das máquinas
que pareciam de outro mundo; às vezes esforçava-se para entender a perfeição  do ciclo vital, posto que a rés do chão, coçando a cabeça calva, contava os insetos rasteiros e alados  que serviam de alimento para os calangos e lagartixas.

mesmo assim, costumeiramente, olhava pro vazio, pro vazio das horas; esquadrinhava a
arrumação das galhas e, tristonho, sentia  sua alma, ao léu do vento, levitar  em constante
despedida, mas, o que ele pensava? talvez que, a cada instante,  aquela fosse sua finda visão
de tantas  que lhe sobrevinham sobre suas várias etapas  em que a vida lhe fora
infinitamente maravilhosa, apesar dos anteparos que se lhe ofereceram como
desafios. e agora? um tanto mais de quê?! talvez de sua missão cumprida, ciente
de que o câncer o derrotara de vez, embora tivesse lutado e achado forças que nem 
sequer imaginava...

 e eu ficava ali -- do alto da varanda, observando seu silêncio, seu olhar
as nuvens, sua satisfação pelas minúsculas vidas pulsantes  ao seu redor, e aquela
tremedeira constante --, simplesmente, eu apenas rezava para que uma nova hemorragia não o
arrebatasse de vez, e me viesse o vazio impreenchível como se um pouco de mim, indiretamente,
sucumbisse, sem que o mesmo, a cada olhar lá  do fundo do quintal, me envolvesse
no findo e paterno adeus.




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