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amigo.



busco-o agora
como uma pedra a natureza moldada

cá em minhas mãos a atiro longe
e entre outras oculta-se

com o tempo vai fixando-se

não a vejo
crente que ela permanece algures



(12/84)



***

passageiro solitário.





o passageiro solitário
curte o cenário

em caminhos prontos
se perece de confrontos

construções, máquinas, animais
homens irracionais
rua mista de vaivém
de todos, de ninguém
natureza morta
fuga sem porta em liberdade
capitalismo: uma cidade
o progresso remando...
tudo pertence aos seus olhos
no esmo de estar se achando
amor, violência, caos
um horizonte, outro escondido
cento e oitenta graus
de mais um dia
esperança ter-lhe traído

o passageiro solitário
curte o cenário

sorriu de ver-se sorrindo
e soube
d'alegria nada lhe ser
pois pro seu ideário
seu sistema
é triste ter como lema
canto de pássaro liberto
do fundo ao cume
ter sua luz morrido
na fé de saber-se vaga-lume

o trem para
sua viagem parou:
torna-se qualquer Zé
artista que o palco sangrou
nada mais lhe é

um passo, outros de chegar
atrás jaz a fantasia:
o pássaro findou se na gravura
o vaga-lume achou o dia

chorou pela vã procura
e soube
da tristeza tanto lhe ser
num mundo de tudo e nada
desertando-o em sua morada
pra motivar-se e renascer


(6/80)




***

árvore da ilusão, 1






minuto a minuto
saber
envelhecer
germinar
colher
novas ideias
recriar
alegre ou triste
sério
a série de dias
o final é plural
comum
esperado
o relógio permanece



***

Do outro lado daquela montanha.

(prosa poética de minha mocidade, 1978)





Do outro lado daquela montanha deve haver... há um sol, uma estrada, um rio...
Deve haver belezas além dos olhos, do pensamento. Deve haver uma porta. Deve haver
um velho clareando à noite com o seu lampião como se segurasse uma estrela dentro
dos sonhos impossíveis de hoje. Lá os pesadelos inexistem. Lá não se sonha. Lá é o sonho.

Do outro lado qualquer um gostaria de estar sentindo-se animal meio à natureza nua
escondendo-se. É noite... sei da tristeza de muitos por não se realizar à visão de lá se poder
chegar. Do outro lado o Sol dá o seu "bom dia" a floresta, enquanto os homens daqui 
dormem em busca do sonho perdido: a visão pessoal perdida no paraíso introspecto.

Do outro lado, na estrada, passa uma carroça que traz a vida de uma só direção; traz
um homem cantando uma canção, alegrando a todos. Amanhã, de alguma forma, todos a
cantarão... Lá a paz é prática - o saber é a música no ouvido.

No rio, paralelo à estrada, flutua um barco que traz uma navegante cortando com o seu
olhar o horizonte... imensa é a sua mansidão à procura do complemento de uma canção.

O barco e a carroça logo se encontrarão. Lá diante, rio e estrada cruzam-se múltiplas
vezes-, não pela imaginação nem pelo acaso.

Do outro lado a vida é criança: a natureza amamenta-a. A vida é adulta: o amor
não é fruto de abraços, beijos e palavras. É normal. O amor é a semente, a árvore, o
pássaro nela acolhido...

O outro lado daquela montanha ninguém conseguirá mudar... porque é tão claro
aos meus olhos e faz-me ver tudo ao contrário daqui.

Do outro lado daquela montanha espero conseguir chegar brevemente. Lá inexiste
o "hei de vencer" e o "amanhã é outro dia". Inexistem os sete pecados, os dez mandamentos;
inexiste à fuga do artista consumido pela realidade, inexiste a vara e o açoite.

O outro lado força nenhuma mudará -- nada me fará esquecê-lo --, nem mesmo as palavras
que sempre saem de bocas erradas e, o irreal das mentes daqui já é-me tão familiar que faz-me
caminhar rapidamente para lá.

A estrada -- a minha -- ainda está fechada em algum ponto. Mas o que me separa são
alguns metros alongados dia a dia pelo homem. Mas no escuro, o velho com o seu lampião,
continua dando-me o sinal.

O Cruzeiro do Sul é minha bússola. Estou manso -- porque ser manso é não chorar
pelas minhas feridas sociais e, do outro lado, quando eu lá chegar, mil animais
irão curar-me.



****


velas & revelas.





velas & revelas
tua vontade
levas mar adentro
num prazer único
teu sentimento



juras a ti mesmo
tua minúscula bondade
flutuando no saber
toda luz
todas as velas
e revelas
que num átimo
encontraste teu deus
no esquecer da terra firme

(1986)



***

para Sabrina.







Linda menina-moça do meu encanto
Fina flor desértica num olhar além
Por ti, há anos vagando, procuro tanto
Pelas cidades - jardins de ninguém.


Tomara eu fosse teu anjo guardião
Teu herói à beira do convencional,
Mas sou apenas um pobre cidadão
Que no futuro ser-lhe-á fulano de tal.


Não te cales de me chamar de amigo
Assim encontro a essência de viver,
Cante esse meu canto por ti nascido
Pra todo dia meu dia ter razão de ser.


Inda exala o aroma da flor Sabrina
Na vida fugaz, minha visão de amor,
Meu coração tranquilo na triste sina
De eterno senti-lo por onde eu for.




(1995)


nunca é tarde pra sonhar.





quero viver tudo o que não vivi

vagar
levitar
velejar
nos sonhos

mirar paragens
tatear imagens

dentro do sonho que é estar aqui

. . .

(talvez a vida seja um túnel de teto furado por onde os raios solares
atravessam. saímos dum extremo a outro sabedores que, na travessia,
apenas lutamos para chegar ao oco da saída, deixando para trás
outros que acabaram de entrar)



***

teto solar.












a Terra é uma
chaleira d'água e substâncias
em ebulição,
apagar o fogo
do gás em profusão


o princípio é a luz
o final a cruz
no choro imerso
de ser a flor d'água
os olhos do universo


a Terra é uma
chaleira d'água e substâncias
em ebulição,
apagar o fogo
do gás em profusão
...

 apagar a lágrima
ressurgir do fogo
iluminar as trevas
seguir a oração
apagar o fogo
do gás em profusão
pois
a terra é uma
chaleira d'água e substâncias
em ebulição.





(1998)



***

S.O.S. mãe.







mãos abertas à face passando
qual minha auto-história
de caídas me derrotando
a cada querer sumido
que volta - revolta
a anestésica fera dos olhos
teus conselhos clamando

sou um número tal pelas ruas
semblante maldito na crua
pureza de tê-la senhora
nesta amarga hora em prece
por ser teu corpo meu reduto
tal a árvore do fruto
que de folhas um agasalho tece

na sentença ultriz de ir avante
meu olhar se espraia distante
do pouco carinho que te fiz
pelo teu, nego as coisas vis
e entendo à crescença impura
meu esquecer da tristeza em cura
que um lembrar, menino, saudoso quis




(rehgge, sccsul - 1998)



*****

desencantos.

(soneto de minha juventude)







basta que outro arco-íris se desfaça
pra eu entender o cinza-desencanto
de se passar pela vil vida  sonhando
pelo pão suado trabalhar sua massa.

basta outro estranho que me sorria
pra reflexivo eu ter tudo e o nada
vindo-me o desmotivo pela jornada
doutras faces que o sofrer amplia.

basta a pobreza destes cães ilhados,
medrosos da chuva chorarem vorazes
à mercê  do capitão serem  chutados?


basta sentir,  construir o  belo interior
se meu universo são relances fugazes
da guaia que comigo vai onde eu for?





(rehgge, 1981)



**

refúgio.







calo-me
esta cama, meu reduto
da pecaminosa urbe silente
sob o sol de luto

meu ser de amor carente
rebusca o que já foi presente

e estranho a pureza deste momento
porque na lida diária
me contamino
e, em grupo, sou outro
por isso
pelo grupo lastimo
nesta cama, meu reduto
da pecaminosa urbe silente
sob o sol de luto


(scul - 2000)




***

conquista (canto de uma época)







a marca, a fibra
passos já pisados, a dor
sou pedaço de estrada, um nada
anônimo sonhador

a marca, a fibra
nos atos, nos fatos
paraíso sem relatos
o governo, o estado
de pobres, bárbaros
o meu
a máquina elitista
à conquista
do que penso me pertencer

a marca, a fibra
a mão
do sistema que diz não
a um ideal
porque sou na verdade
pedaço de estrada, um nada
fonte que há de verter
trago de memória uma história
e de presente o verbo ser



(1978)



**

a ferrovia da Estrada do Sol.






o Sol dá vida
o Sol dá morte
o soldador solda,
solda o ferro da ferrovia
da Estrada do Sol

Sol da vida!
Sol da morte!

o trem vem e vai
é assim que tem que ser
ah! que ser vive a aquecer
os corpos na Estrada do Sol?...

-- é o sol da vida!
-- é o sol da morte!
-- é o sol da estrada!

o trem vem e vai
é o trilho - o estribilho
é o lema - o sistema
é a gente - o agente
indo e vindo - agindo
confundindo a mente

o Sol dá vida
o Sol dá morte
o soldado dá dor
o soldador solda
solda o ferro da ferrovia
da Estrada do Sol

mais um dia passou, passou
e passou...
o soldado não voltou
pois é!
lá vai outro em seu lugar
o trem vem e vai
e irá, depois virá e irá...

infinito bis
de não querer ver a morte
e só a vida
e só o lado que a faz feliz

ah! que ser vive a aquecer
os corpos na Estrada do Sol?...

é o sol da vida!
é o sol da morte!
é o sol da estrada!
é o calor humano gelando
de curva em curva
a cada jornada



(1998)


***

o espelho (2)






vejo neste espelho
mil olhos atrozes
minha imagem sê-los
por ser ninguém
ter nada de conselho
e na fúria (des)amorosa
dar-lhes os meus desvelos


vejo neste espelho
o que pensei que via
com meu olho interior
encenando a vida todo dia


vejo neste espelho
dois olhos pueris
e nem a mesquinhez
que em forma de deboche
comanda, procura comandar
e nem minha ira peculiar
nada, nada mudará
minha forma de olhar



***

parti por ti.





parti
depois do "suma"
que Nhá Chica me deu

quis pular do viaduto
mas lá embaixo
supondo tonto meu sangue jorrar
vi uma fileira de luto
pela morte de um fruto
que de maduro caiu
sem dizer adeus
aos filhos seus
aos amigos paus d'água
lá de São Matheus

parti
depois da última surra
que Nhá Chica levou
do meu rival

(pô! até dei um puta home theater zero pra ela
e 6 cds piratas!)

mas... parti
na farra da batucada
meio na transversal
sob os cabos de aço do tróleibus
na cidade de enxoval
de capuz
que nem sequer
me viu cair
me viu existir
ao vivo
correndo da tristeza a flux

passa o desfile
de carros em profusão
e uma roda de curiosos
saiu da procissão
ladeada com o carnaval
ali constataram:
morreu mais um fulano de tal

(pô! me vi , ali, num caixão, na Rio-Santos
vindo pra Sampa, mas passou pela minha cabeça
que, meio sem rumo, eu nem soubesse que tinha morrido)


la vem
lá vem
o bombeiro
 o paramédico!
querem me ressuscitar
não adianta
já morro faz tempo
no morro
em fatos dum jornal

cuidem de meus trecos
morrer é tão normal
recriem minha arte no adobe
no corel
sou só mais um número
um maluco que foi pro beleléu

Será que a Chica vai chorar?

*****

para além das mesmas esquinas.





pra manter-me vivo
escalei montanhas
e vivi

de quase morrer
em disparadas tamanhas
desci

entre subidas e descidas
o viço perdi

finjo ser inda  forte
finjo inda ser feliz

minha força reside
na incontida vontade de viver
despedindo-me a cada segundo daqui

"uma obra leva anos pra se construir
mas implodida
num instante cai por terra,"

num olhar retro
nem vejo meus rastros
que meu peito encerra

vejo uma aquarela e um pincel
mas desde menino nunca os usei
talvez agora seja a hora
de colorir um paraíso só meu
sem sequer imaginá-lo

às vezes me pergunto
se a felicidade foi minha busca
;;;;

quiçá
aquando deste dia
rompa-se de seus grilhões
e me chegue
com batucada e foliões
pelo menos
prum último sorriso

solitário
como um superverso
perverso
em que eu exale
meus resíduos maldosos

e até me veja
reabilitado
indo ao encontro duma redimida tereza
num boteco amical
duma nova esquina
onde o futuro renasça

e a dona morte
desvie seus olhos

e eu me perca nos labirintos
tão iguais
mas de muitas saídas

palavreadas...



***

medo de ser.





"Às vezes não sou eu mesmo,
e recaio num ponto comum:
o de ser e sofrer,
o de sofrer por não ser."


***

medo de frustrar-me.




"O mais importante não me sai pela boca;
aprisiona-se pelo medo de nada representar."


***



a dor da despedida.






se eu não mais sentisse
a dor da despedida
seria como pedras implodidas
soterrando a primavera
de flores à beleza nascidas

seria como o vulcão
a vomitar a lava
e o câncer que de repente
como sangue
do fundo de meu eu brotaria



se eu não mais sentisse teu cheiro
seria como o lobo
que foi no caminho
marcando sua trilha
(em cada ângulo de tua face)
mas que distante da matilha
perdesse o faro
e não mais ao seu espaço retornasse



se eu não mais escutasse a tua voz
a voz do meu peito se calaria
tal filhote implume
que do ninho cai
e já não pia
pra chamar-te numa noite fria



se eu não mais visse o teu olhar
de que me adiantaria
a volta do romântico trem
se na ferrovia ninguém eu veria
e  meus anseios viessem
como bumerangues
a ferir-me em sincronia
se longe estás no fugidio túnel
com os olhos claros apagados
à luz infinita que eu desejaria





se eu não tivesse mais a tua presença
que outra vida me animaria
daria meu corpo aos corvos
 em fantoche me tornaria
manipulado por tuas mãos
no adeus sem aceno
mudo
que dói só de pensar
no teu ser
 no teu calor
no teu olhar 
no teu laço de fita
se assim visses também
se assim ainda visses, querida
e não sentisses a dor
a dor da despedida




******


(Rehgge, 2008)

o velho vendedor de sandálias e chinelos.









o velho vendedor
gordo e bonachão
com sua calça de suspensórios
tinha um farto bigode grisalho...
ele me vendia sonhos

apontava lá longe na esquina com suas sacolas
e seu vozeirão imponente com sotaque português:
-- sandálias e chinelos a preço de fábrica!

nunca pude comprar um par
por mais modesto que fosse
...
me enchia de orgulho quando alguém comprava
e eu saltitava de pés no chão
dentro do meu calçãozinho de pano de saco

hoje uns trocados não me faltam
quando olho na mesma direção
ainda escuto o seu 'slogan':
-- vamos lá freguesia!!

o asfalto cobriu o pó
a avenida está movimentada
preciso ir numa loja
quiçá no shopping...

os tempos são outros
mas a alegria que eu sentia
quando o velho vendedor aparecia
já não sou capaz de externar
apenas permanece
dormente em minha memória
como ingênua felicidade
que não voltará jamais

o seu vozeirão
sempre me vem à tona nas manhãs
em que do portão fico
torcendo pra ele aparecer...
mas uma vozinha dentro de mim intercede:
-- moleque! ô moleque! não cresça jamais!
















***