Translate

Mostrando postagens com marcador A. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador A. Mostrar todas as postagens

estrela matutina.







*****





lá no campo eu me engalfinhava
ficava até se apagar minha estrela
querendo sê-la
numa historinha de ninar

quem me esperava era dona quirina
mulata cara de menina
messalina nos confins do Pará

me enchia de macaxeira
de açaí pra pele brilhar
pra agradar painho
de anel e cordão de ouro
de terno branco
de dentes podres encapados
do chapelão cobrindo-lhe a calvície
que desde cedo eu e mainha
fazia no seu colo sentar

quando já  mocinha
me tocava duma maneira
que tenho vergonha de contar

e os machos da fábrica
vinham com presentinhos sem valor
meu picuá lotar
e com eles eu punha-me a rolar

depois  eu ia até a lagoa
nadava como um peixe
pintava o rosto
de vermelho do urucum
do roxo da amora madura
de jenipapo, enfim
com fé de um dia
chegar ao mar

até a hora que mainha
subia na escarpa
gritava pr'eu ir trabalhar

"menina berebenta
vê se não empaca
vá catar os ossos do boi morrido
na clareira da mata

vê se estica esse cabelo
escova a boca com sal no dedo
tem que sair lindos santinhos desses ossos

passa vinagre no arranhão da mão
não fica abestada
querendo fugir do lar".

"mas mainha
a dor mais doída
é minha própria vida
sou moleca selvagem
pé rachado
de correr livre no estradão".

e brincando com os moleques serelepes
lá no canavial eu vomitei
senti uma zonzura estranha
pra mainha eu contei

minha barriga foi crescendo
uma vida dentro de mim nascendo
e à luz uma menina eu dei

pus-lhe o nome de Estrela Matutina Luz e Sol
filha cabocla da terra vermelha
das campinas de ventos brandos
que cresceu e se foi sem adeus
ser minha estrela nas ruas de Belém
e nem se lembra mais de mim
do meu cheiro
dos nossos banhos de alecrim

nem se lembra
mas vou lembrando
que minha vida se foi assim
ao redor
da usina desativada
envelhecida enferrujada

e desta beira estrada
com minha trouxa na cabeça
canto e choro
porque ninguém chora por mim

painho morreu duelando com seus filhos meio-irmãos

mainha a carrocinha veio buscar
ela dorme bem perto do rio
se foi
esperando que a lenda do boto
que me contava às noitinhas
se tornasse realidade

"estrela matutina me guia
há tanto tempo
que o tempo  me definha,
há tanto tempo
que nem me lembro
que fui menina."

*
****

um pensar áleo pelas esquinas.







preso a este labirinto sempiterno
sinto meu mambembe em ruínas
fuga com desencanto alterno
num pensar áleo pelas esquinas

quero viciar-me na compreensão
e lutar contra a fera interior
basta a toda cor faminto dar meu pão
basta sedento regar por onde eu for

quero felicidade - indouto decifrá-la
do fundo ao cume tê-la à vista
e sem maldade, pelo modernista, sua fala
senti-lo na solidão que do egoísmo dista

não vou me robotizar pela vida
e virtuosos - em casa - os terei
nesta metamorfose à contenda tida
como inimiga da vida que sonhei


(niterói, rj, 1988)



***




poema aos poetas mortos.







"ora! vento assobiador!
a ferir-me os tímpanos!!"
ora! réquiem dos meus medos!!"


***




o vento  que assobia
traz a voz em uníssono
de alguém que foi viajar
e já não pode regressar

porque esse alguém na lida
compôs versos pela vida
imortais
tais as direções do vento
que nada pode apagar

o vento que assobia
perde-se no entardecer

só mesmo num poema
ele tem razão de ser
a única bela lembrança
de quem partiu sorrindo

salve!


***



árvore da ilusão, 2






no vazio de um dia
penso
em tudo que faço diferente
que falo
inescuto
e finjo praticar

no vazio de um dia
penso
sou cigano
viajante urbano
culto - educado - limpo
procurando
na aventura de se viver
a maior riqueza da vida

no vazio de um dia
penso na minha idade
é tarde

de que me adianta ser feliz
se minha canção geme altiva
nos rascunhos que nunca fiz
e se deles o acerto me priva

no vazio de um dia
penso na incerteza
com armas à derrota vencer

mas quanto vale a vitória
se sou um guerreiro na história
a lutar por um escuro ideal
a mais nada ter que chegar

no vazio de um dia
penso na alegria

mas a árvore quando brota
não é outra
nem é outra a soledade
de quem precisa cultivar com fé
o vazio de um dia



****

a temporã.





o pó cobre os corpos
cobre o verde desértico
da vegetação teimosa
da planície arenosa e das escarpas
e, ao sopé dos montes
pegadas de pés descalços
de mulheres voltando das fontes
aos seus lares
...
regresso com seus temores
e tristes olhares
sem as cantigas peculiares
de seus santos ajudadores

hoje não tem não
carne-seca nem água no feijão
hoje não sairão banhar-se todas
contemplando às estrelas
em um conto regional de morrerem
e um dia sê-las

hoje tem
a fome circundando os quintais
cantada pela desgraça do violeiro
que fala dos temporais
que fala do rio transbordando
mas nunca por ele navegou

'o pôr-do-sol é um quadro horizontal
maravilhoso demais e, ausente
faria secar a tristeza dessa gente'

aves nômades rumam para o mar
as daqui já foram nativas
...
e tantos animais de costelas salientes
tombam impotentes
e tantos animaisgente
tombam indo e vindo
sedentos da chuva chegar
...

e o barro dos açudes amarelos
e o barro ocre-marrom
e o barro ocre-marrom cobre
cobre de doença, mata a fome
perpassando as tripas da barriga
...
e só a água cristalina
guardada na retina
não faria essa gente ó Deus
ó Deus não faria
essa gente sentir-se tão pobre

o caminhão-pipa não chega
a espera é um alento
para os pais sentinelas
e suas crianças magrelas
que as mães esperam
alheias ao frescor do vento

um relâmpago
esperança
um sorriso fugaz de todos
de todos sentirem a chuva
a lama do pó
do pó na entranha
que molha o pó de lágrimas

***


(scsul, 1998)

num destes jás!








num destes jás!
onde o mundo é o paraíso
e pessoas são criações libertas
neste olhar da janela
tu me chegas

num destes jás!
rebusco teu olhar frontal
como uma evidência
um momento feliz
ou
uma partícula de lembrança
dormente em meu pensar
que desperta
quando tu me chegas


***



(rehgge, 1990)

visão relembrante.







palavras
através do tempo caladas
no ideário remoto
me vêm qual uma foto
de querubins tranquilos dormitando
nas cidades -- seus jardins
noutros
a guerra passando

recém-nascidos mecânicos
compõem as peças
da violenta rotina andante
mas vejo-os todos aos abraços
ingênuos nos braços à realidade moldar

no brincar dos adultos
brilha o palco dos contos ocultos
os de hoje são incontáveis
injustos
e as rodas infantis regresso
aos sustos
sem o pecar mundano
que não carrego nem peço


ser infeliz barra
não se sente
a mente mente
só mente
faz-me averso ao presente
de brincadeiras não recordar
pelo recordar por elas chorar
ante a montanhas bloqueadas
invisíveis no despertar das moradas
que à crescença mata no sonhar

no brio da minha idade
rebusco a troca de imagens
nas mentais paisagens
puras qual à fugacidade
de tê-las numa canção-mor
prum futuro melhor
em que a esperança
 a esperança que todo homem tem que ter
pra ser homem
e ver e ir avante
 pois somos todos crianças
numa visão relembrante

que bom seria
uma história imaginária
se  já  principia
a graça pueril do dia
sem a  fera bestial que nos alcança
ter-se visões relembrantes
no ser adulto/criança
e sê-la
na frigidez
antes



***

(poemas de minha mocidade, 1978)


***
Rehgge.

eu queria falar a língua dos poetas.


(poema traduzido em vários idiomas)




eu queria falar a língua dos poetas
ir ao céu e ao inferno
roubar-lhes os pensares
e todos os seus versos
balançar na corda-bamba
viajar nos seus mares

eu queria falar a língua dos poetas
do poeta universal
que vive e morre num poema
à beira do sistema
no submundo que ele cria
e recria pra manter-se vivo

eu queria saber rimar
a língua dos poetas
e na solidão dos dias
desejar o calor humano
de quem sofre
ao sentir tantas almas frias


eu queria
dos poetas
a língua
pra falar por mim
o quanto hei de versejar
em qualquer idioma
sem dizer que sou
o poeta da vida
o poeta que num canto
canta
o belo feio
o feio belo
da essência que verte em mim

porque
eu queria falar a língua dos poetas
seus clamores
amores
suas metas
da areia ao cimento
tocar os corações suas setas

sem que eu pudesse roubar
o que neles foi lapidado
pelo artista invisível
de mãos que regem o tempo

eu queria falar a língua dos poetas
e neste vero átimo
ter um pensar alado
que me ensinasse
segui-los mundo afora
toda hora
desde agora
eu queria



***

por detrás da cortina de meus olhos.










há um deusa
por mim amada
que faz morada
lá no cafundó

nas tardes vagueia
pra não deixar o vésper só

ela é a sereia
que nas margens da areia
tece teia
com os bichos em forró

há uma deusa
mirando minha guaia em toró
desde  seu barquinho espacial
sem ver que o sol inda clareia
meu sonho de tanto querê-la
como uma estrela
que de repente vira pó
assim assim
tal a areia da mó

há uma deusa
digna de minha esperança
lá no cafundó

 quando eu passar
pelo rio dos solitários
me prenderá 
e
na minha veia
cessará a sangria
nesse dia
terei pra dor a anestesia
o último ai dum nó
...
a ela cantarei
meus versos eternais
de notas bucólicas
do último idílico curió

ah
há uma deusa
minha dona
que na noite da lua só
me vem à tona
benfazeja
me abraça e me beija
tão telúrica
tão etérea
pois  sou pra ela
mais que seu príncipe
mais que seu xodó


****

com todo meu querer, quero-te





quero-te desmaquilada
molhada  despenteada
indefesa
tentada pela natureza
não tão bela
sem a anatomia de tua beleza

quero teu corpo nu ao sol
sentir teu calor virginal
ouvir ondas em coral
pedir a éolo sopro leve
que não te leve
não venha em caracol
assediar minha bela
que só tem o céu como lençol

quero teu olhar felino
ser adulto demais
vê-lo como menino
sedento de teu suor
se o sal da terra é-me teu sal
num olhar tão meu
e se não fosse o teu
- pra mim -
de ninguém mais seria

'o que me importa
os ais e sais doutras meninas
se teu ser atrai-me como inseto
e te faz hospedeira
do meu mel irracional?'

quero-te sentir
te buscar no espaço neutro
pois meu viver preenches
 de incontido bom astral 
à fuga do tentacular reverso
a desprogramar nossos corações
fissurados
numa metáfora tola  de quem  ama

quero-te preguiçoso
sussurrar aos teus ouvidos
segredos escondidos
não quero detalhar
rodear
deter-me num só tema
meu tempo é escasso pra sonhar
mas saibas, querida
nosso lema
foi e sempre será
à liberdade amorosa
que minuto a minuto
podemos criar

quero-te
até a flacidez muscular
mesmo sem mais te provar 
tatear teu corpo
com a mesma doçura
centímetro a centímetro
em toques de canção madrigal
mas lembre-me de te entronizar
até os instantes findos
do fim se lembrar
que não caberia no infinito
se combalido
tanto amor
ainda poderia lhe dar

quero
ainda massagear tuas costas
devagar
ainda num olhar
correr longas estradas
sem me cansar
ter a experiência dos atalhos
pra todas as flores
em afã jovem te entregar,
roubar-te beijos inesperados
dormir o sono dos amantes
acordar
enganar a vida
viver hoje
antes, antes, antes...


***

vela acesa sob o sol.







dos tristes & azarados.


dos tristes & azarados.






é triste aquele que nunca chorou ao som duma canção de amor

é triste aquele que nunca sentiu  prazer com os aromas das flores

é triste aquele que amou pouco e pouco amor ofereceu

é triste aquele que regozija-se com a mentira, pois sempre foi  incapaz
de tirar o capuz das verdades viciosas que aceita sem mesmo contestá-las

azar deles
e daqueles que nunca imaginaram uma shangri-la

nem riram nem se sentiram tolos ao acompanharem
os gorjeios de pássaros saltitantes lá na copa das árvores

tristes e azarados  são os que nunca burlaram a realidade
nem pularam ondas com um pedido ingênuo, certos de o mesmo
ser tão sólido quanto as águas que castigam as pedras

tristes e azarados são os que nunca viram  um cachorro sorrir
nem se deixaram levar pela mentirinha escrita no cartãozinho
do velho realejo

tristes e azarados são os covardes em constante fuga
da graciosidade que a  simplicidade da vida oferece

neste instante uma roda de dançarinos do lar, comuns, 
festeja não sei o quê em frente de casa. de bobeira,
vou descer e mostrar que sou pé de valsa, apesar de 
atravessar o ritmo, um pouco de mim ainda é capaz
de transmitir a alegria de tão pequeninas coisas.



(rehgge, 1996)


***





O.C.O.


ele, em estado terminal, sentava-se no fundo do quintal naquele banco úmido já carcomido pelo
tempo; e ficava ali horas observando os voos, as idas e vindas dos pássaros, bem antes da
visita dos morcegos frugívoros, como que esse ato de espreita fosse sua matemática do tempo;
acompanhava minuciosamente o traçado das formigas na parede e o som citadino das máquinas
que pareciam de outro mundo; às vezes esforçava-se para entender a perfeição  do ciclo vital, posto que a rés do chão, coçando a cabeça calva, contava os insetos rasteiros e alados  que serviam de alimento para os calangos e lagartixas.

mesmo assim, costumeiramente, olhava pro vazio, pro vazio das horas; esquadrinhava a
arrumação das galhas e, tristonho, sentia  sua alma, ao léu do vento, levitar  em constante
despedida, mas, o que ele pensava? talvez que, a cada instante,  aquela fosse sua finda visão
de tantas  que lhe sobrevinham sobre suas várias etapas  em que a vida lhe fora
infinitamente maravilhosa, apesar dos anteparos que se lhe ofereceram como
desafios. e agora? um tanto mais de quê?! talvez de sua missão cumprida, ciente
de que o câncer o derrotara de vez, embora tivesse lutado e achado forças que nem 
sequer imaginava...

 e eu ficava ali -- do alto da varanda, observando seu silêncio, seu olhar
as nuvens, sua satisfação pelas minúsculas vidas pulsantes  ao seu redor, e aquela
tremedeira constante --, simplesmente, eu apenas rezava para que uma nova hemorragia não o
arrebatasse de vez, e me viesse o vazio impreenchível como se um pouco de mim, indiretamente,
sucumbisse, sem que o mesmo, a cada olhar lá  do fundo do quintal, me envolvesse
no findo e paterno adeus.




***



o amor está no ar.

,

na  vida passa um
passam outros tantos
com e menos zoom
entre risos e prantos
num coração manso 
noutro em baticum

ele é vela aberta
um porre de rum
é direção incerta
traço de cartoon
choro na coberta
do sentir, o boom

às vezes para
te repara
atenda 
tum   tum
tum
! ! !

love´s in the air
homem  mulher

voem      voem
voem
voem    voem
voem




***





gira sol.







Bira não vê a pira
de sua cremação indolor
dá um mira
e se atira
num banho de raios ultravioleta
que até da borboleta
rouba a cor

na cozinha enfurnada
erra no tempero
excede no sal

e lá do terreiro
vê a sala e o quarto
onde num reflexo
gira gira  sol

e se põe festeira
la pras bandas
da gafieira
com um homem mulato
do mato
com sapato de dançarino

nem se lembra do menino
que gira ao seu redor

ela precisa viver
deixar um pouco
a lida normal
sem retroceder
até o próximo carnaval

no vendaval da ilusão
vê-se sair pela rua
descalça
sem destino
com a flor
símbolo
de sua sofreguidão

largou pra trás a tristeza
pra ver o desfile
lá do pontilhão

 e se tinha um figurante
com a mesma ideia
mirando-a
com um girassol na mão



****

arco-íris no chão.




o óleo diesel do córrego fétido
parece um  arco-íris horizontal
ora multicor
ora cinzento
sobre os dejetos da civilização

quanto dói em  mim
ver o arco da aliança original
depois da chuva
revelar-se
colorir o céu
sob os flocos de nuvem

imperecível
passadiço
(uma alusão à ilusão de ótica)

neste olhar passageiro
de tanta desnatureza
sufocando meu basta
empurrando-me
a um vale verde

em  que eu seria mais humano
sem  um  plano de fuga


****

para além das mesmas esquinas.





pra manter-me vivo
escalei montanhas
e vivi

de quase morrer
em disparadas tamanhas
desci

entre subidas e descidas
o viço perdi

finjo ser inda  forte
finjo inda ser feliz

minha força reside
na incontida vontade de viver
despedindo-me a cada segundo daqui

"uma obra leva anos pra se construir
mas implodida
num instante cai por terra,"

num olhar retro
nem vejo meus rastros
que meu peito encerra

vejo uma aquarela e um pincel
mas desde menino nunca os usei
talvez agora seja a hora
de colorir um paraíso só meu
sem sequer imaginá-lo

às vezes me pergunto
se a felicidade foi minha busca
;;;;

quiçá
aquando deste dia
rompa-se de seus grilhões
e me chegue
com batucada e foliões
pelo menos
prum último sorriso

solitário
como um superverso
perverso
em que eu exale
meus resíduos maldosos

e até me veja
reabilitado
indo ao encontro duma redimida tereza
num boteco amical
duma nova esquina
onde o futuro renasça

e a dona morte
desvie seus olhos

e eu me perca nos labirintos
tão iguais
mas de muitas saídas

palavreadas...



***

quando, por um momento




quando
por um momento
trilhares nossos passos andados
e sentires minha ausência
no teu colo quente
e meus braços a envolvê-la

enfim saberás do vazio que ora sinto
saberás dos espaços
entre estrelas que se apagam

saberás  do cão  solitário
que ladra sem destino pelas madrugadas frias

saberás da solidão aflitiva
de quem por ti reclama
de quem mantém a chama lucilante
dum regresso improvável

saberás dos amores dos pescadores
dos estivadores que suam no cais
de tantos portos percorridos
mas continuam apenas se deliciando
com a visão do imenso oceano

saberás o quão dolorido é sentir-me vadio
sem ser vadio de índole

e se pegares as antigas fotos
já não verás mais nossos sorrisos
nossos amores de improvisos

já não verás aquele nosso filme
nossas estadias a deus-dará
que o vento da paixão nos levava

talvez traias teus desejos atuais
os detalhes do que vivemos
no campo
em  casa
à beira-mar
naqueles telefonemas inoportunos
dum moleque que vivia nas nuvens
dum moleque que tiraste do ostracismo
rumo  a um futuro desplanejado
que só o sentimento construía

quando
por um momento
deitar-me em teu colo ainda quero
espero
numa espera vã
que surjas do nada
como uma fada
capaz de transformar sonho em realidade
perdido nesta cidade fria
de gente apressada
de amores passageiros
que já nem nota em mim tanto dilema
à beira da ironia
neste viver enganoso sem esquema
tão descartável
como um romance que se lê
e fica esquecido na estante

quando
por um momento
lembrares de mim
lembrarás de nosso tudo quase nada
e eu
de meu nada que me fez em tudo
lembrar-me de ti
num voo  solitário
...


****

desgraça.





(pensamentos de minha mocidade)


A esta hora você me aparece? Perdido e sem porquê vou
à luta buscar na distância uma pergunta sem resposta. Nesta
busca meus passos são grandiosos e frágeis demais pra achá-la...
é como andar estacionado, preso a meu interior consumindo
meus grandes dias.

A esta hora que um amigo -- o melhor! -- é aquele que ainda vou
conhecer... e os que tenho são como a bela flor: por mais que eu a
regue, ela perde a beleza, o encanto, murcha e morre... assim são
milhões esquecendo a lágrima do mais justo esforço quando seus
jardins secam.

A esta hora?... justo agora? que em mim a paz pairava você chega
mostrando-me a mesma estrada na qual amiúde me perdi, e fiz de cada
lugar o meu lugar, e compreendi os homens, seus desejos, e chorei com
eles suas flores mortas... e a compreensão deles está no por que as
pétalas caem...

Não basta minha fé. Não basta minha coragem e tantos estudos pelo
futuro porque de tempos em tempos você vem destruir-me... e na vida
sempre serei um aluno à procura de um jardim onde as flores estão por
se desabrochar, ou talvez, um aluno à procura de muitos jardins e uma
única flor. Mas se forem muitos jardins e muitas flores meu destino,
quem sabe, em outra hora, milhões esforcem-se de novo, esqueçam
toda diferença e ira costumeiras... e que as pétalas caiam, pois estarão
cultivando a mesma flor, o pós-clímax de sua beleza, não um estado
da alma.

(8/79 - jdi)





***

AMIGO


busco-o agora
como uma pedra a natureza moldada

cá em minhas mãos a atiro longe
e entre outras oculta-se

com o tempo vai fixando-se

não a vejo
crente que ela permanece algures.



(12/84)



***